terça-feira, 17 de outubro de 2017

Dia longo

Sabe amargo o café do dia. Vai uma bolachinha para ajudar a empurrar?
É que o café ajuda a empurrar o dia. Um gosto familiar dentro de quatro paredes a que não ser quer pertencer.
Diziam que chovia hoje.  O sol está forte. O outono meteu pausa e não quis chegar. Para me ajudar a empurrar o dia.
Sinto o calor na costas, a chávena no lábio. Fecho os olhos.  Tenho que ir retocar o batom. Mais cinco minutos. Só mais cinco minutos antes de ir. Para ajudar a empurrar o dia.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Num quarto estranho
Escuto o silêncio
Da minha alma muda e nua.
Espero que o calor abrande e o sono chegue.
Imagino os contornos das coisas, com a parca luz da rua. Assim como imagino os contornos de um futuro pouco iluminado. Pouco ou nada antevejo e resisto à vontade de me fechar em mim. Resisto por não ser feita de desistências. Mas fecho os olhos. O sono há-de chegar. E depois, talvez, o sonho.

terça-feira, 11 de abril de 2017

Hoje

A vida estava em pausa. O amanhã pensaria-se depois. 
O corpo descansava ao sol, a pele ficava mais morena, o cabelo mais claro, e a respiração era lenta e calma. Os risos eram imensos. E o mar banhava os pés. O amanhã pensaria-se depois.
Depressa as folhas começaram a cair. As paisagens passaram do amarelo e azul para os laranjas. Os abraços aqueciam o corpo que começava a ficar frio. As esplanadas eram substituídas pelos interiores O amanhã pensaria-se depois. 
E ao virar da esquina chegou o frio. O tempo cinzento. A noite era maior que o dia. Era altura de recolher a alma, ficar a sós com o eu, respirar o silêncio. Sossegar o próprio desassossego. O amanhã pensaria-se depois. 
E então as flores desabrocharam. Abriram-se janelas, para se respirar o ar quente. Era tempo de se abrir ao mundo de novo. Aos abraços, aos sorrisos, às conversas profundas sobre nada. Os caminhos eram palmilhados centenas de vezes. Os cheiros e as cores eram vibrantes. O amanhã pensaria-se depois. 
Não sei que amanhã será esse. O hoje sabe-me tão bem. 

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Deixem-me ser.

Deixem-me em paz. Com a revolta que tenho pelo mundo. Não me toquem, não me falem, deixem-me! Quero estar só ! Sinto-me só. Deixem-me viver esta solidão, porque sabe a casa.
De tempos a tempos deixem-me lembrar quem sou. Reviver o amargo sabor da tristeza entre as lágrimas salgadas que tocam o canto dos lábios. Não se inquietem, eu sou assim. Uma revoltada. Não fosse eu tão sensível a um elevar de voz, e não era eu. Não fosse eu tão sensível a segundas interpretações, e não era eu.
Não fosse eu. E às vezes gostava de não ser. Mas se não fosse eu, quem é que eu seria?

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Luz

E assim sigo por um caminho sem vento. Sem uma nuvem no firmamento. Sigo pousando um pé de cada vez, falta-me pressa de chegar ao destino.
Respiro fundo o ar da madrugada, frio como o gelo, e por momentos sinto-me pairar, tão leve, tão só na plenitude de ser, no agora. Quase voava, se não fosse tão belo só ficar, olhar, ouvir os sons do mundo. A própria mente se cala para contemplar esta beleza que é viver.
O que não daria para ficar nesta paz para sempre... E nunca mais voltar para a escuridão imposta por uma mente insana.
Mas porquê voltar depois de ser inundada por tanta luz?